Se conheceram há mais ou menos muitos anos atrás. Em outro
continente. Mas apenas se notaram há mais ou menos alguns meses atrás. Pela
internet. Se encontraram. Ao vivo. Se beijaram. E acharam que dava pé. E assim começa a história dos dois:
Um dia. Depois outro. Cinema. Vinho. Jantar. Mais uma manhã.
Depois outra. Assim tudo começou. Sábado. Nem uma semana ainda. Decidem: cinema.
Ela - banho. Eles se arrumaram rapidamente. O filme. Chegam a tempo da pipoca.
Ufa! No meio do filme ele dá sinais: algo errado. Ela - apreensiva. Acaba o
filme, conversa no carro. Ele confessa: durante o banho dela, ele havia invadido seu computador
– Facebook - mensagens privadas. Acabou ali. Deveria. Mas não. Continuaram se
vendo, se encontrando. Cinema. Vinho. E a casa dela. Sempre a casa dela. E muitas
discussões – ele tem ciúmes. Uma noite, mais uma discussão: fazer as pazes num
bar. Bebem. Dançam. Ele apresenta à ela dois sujeitos , ele acabara de
conhecer. Num determinado momento, ele rouba o celular dela e começa a fuçar:
ligações, mensagens. Ela toma o celular de volta. Ele - pista. Ela: sozinha.
Ela procura por ele. Pára pra conversar com os dois sujeitos que ele lhe
apresentara. O sujeito mais velho lhe conta: o rapaz lhe ama – fez declarações
à você. De repente, ele aparece do nada - agride o sujeito: briga generalizada.
Ela: aparta - não tem forças. Ela sai do bar. Rua: cheia de gente desconhecida.
Ela sente um grande golpe na nuca. Cai. Multidão de desconhecidos: redor dela.
Ela: sentada no chão, desnorteada. Um policial: resgata-a. Ele: detido numa
viatura. O policial - encaminhá-la à delegacia a fim de registrar queixa. Ela:
recusa. Ela: sair dali. Ela - assina documento, todos os seus dados, endereço,
número de documento, etc. - se abstendo da queixa – taxi - embora. Não se sabe
a razão nem o porquê, eles voltaram a se
ver. A se encontrar. Cinema. Vinho. A casa dela. Passar por cima - seguir
adiante. Aniversário dele. Ela vai de surpresa até o estúdio onde ele ensaia. Dia
seguinte: show. Conhece os pais dele. Conhece dois ou três amigos. E mais uma
vez - inferno. Eles: bar - comemorar o show. Ela: fuma um cigarro. Ela: lê no
seu celular uma matéria que saiu sobre a sua peça. Ela encontra um amigo que
está passando na porta do bar. Eles conversam por 2 minutos. Ela - volta à mesa. Ela: animada -
matéria - peça. Ele: a destrata na frente dos amigos. Ele se irrita - celular
dela. Ele: ciúmes do amigo dela. Ele - hostil e grosseiro. Ela - embora. Já em
casa ela liga pra ele. Ele: palavras cruéis e amargas. Ela – choro. Muito. Não
dorme. Alguns dias depois - cinema, vinho, a casa dela. Por um período - calma.
Eles se amam. Intimidade dela: mudou. Ela - não usar mais roupas que salientem
seu corpo - deseja ser desprovida de beleza.
Ele: sempre achava que ela estava olhando pra alguém. E assim eles
seguem. Terminando. Voltando. Se amando. Se odiando. Ele mora com os pais. Ela
mora só. Ele - muito tempo na casa dela. Ela: cobra dele organização - não
toalha em cima da cama - não todas as luzes acesas. Ele: aborrece. Ela: sugere
que ele traga suas coisas. Shampu. Soro da lente. Desodorante. Ela não tem
condições e nem interesses em bancar pra dois. Ele a acusa: mesquinha! À partir
daí ele: mais invasões de privacidade. Acusações infundadas. Crises de ciúmes -
recados na página online dela. Ela: para de usar seu perfil e até apagar
publicações. Ele: morre de ciúmes dos amigos dela. Ele: não quer que ela faça novas amizades. Ela: refém. Um dia eles vão à uma festa. Dançam. Se divertem. Bebem. Decidem
ir embora. Fila do caixa. Ela - porta fumar um cigarro enquanto a fila anda.
Ele: nova crise agressiva - não quer que ela se ausente do seu lado pelos 10
minutos que levam pra queimar um cigarro. Ela: é só um cigarro. Ela vai. Ele: bicho.
Anda de um lado pra outro enfurecido. Vai até ela. Volta pra dentro da festa.
Olhos vermelhos. Ele - perde todo o dinheiro e todos os seus documentos. Ele: grita
com ela na frente de todo mundo. Ele vai embora. Ela – alguns minutos - embora.
Do lado de fora: ele. Ela: taxi. Ele: tenta entrar junto. Ela se recusa. Ele
grita. Ela tenta pegar vários táxis. Ele não permite que ela entre sozinha. Até
que finalmente ela consegue. Vai pra casa. Dia seguinte - pazes. (???????) Cinema.
Vinho. Casa dela. Um novo período de paz. Ela: bloqueia-o no facebook . Ela –
vai mais a casa dele. Ele - toda e
qualquer discussão: vira as costas e vai embora. Todas terminaram dessa forma.
Ele - vira as costas e vai embora. Sempre. Imaturamente. Ela: perdeu o tesão.
Ela - extremamente desagradável com ele. Não restou mais paciência. Ele –
irrita-a com seu sedentarismo e a força que ela faz em vão pra tentar mudar
isso nele. Os 3 litros diários de coca-cola zero que ele consome - futura
osteoporose. As botas dele - verão carioca. O descuido. Tudo nele passa a
irritá-la. Ele: smartphone - passa a fazer todas as coisas que ele odiava que
ela fizesse. Ele - tempo com no aparelho quando estavam apenas os dois. Vicia.
Mais do que ela. Ele - leva o aparelho ao banheiro. A todos os lugares. Ela -
não tem mais saco. Ainda assim eles decidem fazer uma viagem. Ela - descobre
que ele não tem um pingo de senso de humor. Qualquer piada: ofensa. Ela: se
lembra das vezes em que ele pediu pra ela rir mais baixo enquanto ela
gargalhava. Ela - não se reconhecia no brilho que não tinha mais. Noite
qualquer - festa. Papo. Bebida. Cigarro. Um amigo bêbado aborrece o casal. Ela
– sugere pegar uma bebida. Ela vai e ele não a segue. Ele: aparece a acusando
de abandono. Ele - diz com todas as palavras: “você deveria ter me pego pela
mão e me tirado de lá!!!” Mão? Tirado? Ele não entendeu. Ela preferiu não
entender. Ele - embora. Ele – pede a
chave do carro dele que está na bolsa dela. Ela - nega, ele - bêbado demais
para dirigir. Ele - insiste. Ela - nega. Ele - insiste. Ela - nega. Ele – solução:
pegar a bolsa dela a força. Pegar a sua chave do carro na base da ignorância e
ir embora. Dirigir bêbado. E deixar ela
ir embora sozinha, a pé, por 4 quarteirões, na madrugada. No dia seguinte ele: torpedo
perguntando a que horas ela precisaria do carro. Ela - apesar de ter enchido o
tanque, abre mão. 1 dia de silêncio. 2 dias de silêncio. No terceiro dia ela:
mensagem sugerindo uma conversa. No quarto dia eles se encontram. Ela: lhe
entrega as poucas coisas dele que permaneceram em sua casa. E pega de volta a
cópia da sua chave. Eles - conversar num quiosque. Um pingo sequer de
intimidade. Ele - se irrita com o lugar, com a música do lugar, com ela. Ele -
resolve tomar o poder da palavra primeiro. Fala do seu ponto de vista. Ela
escuta. Até o fim. Quando ela vai falar ele interrompe, não respeita a sua
hora. Ele - não ouve. Ele - não vê. Ele - não pensa. Ele - diz à ela: não houve
nenhum momento bom pra lembrar. E, mesmo sem querer, ela - precisa concordar. É.
Não houve. Pelo menos a essa altura ela já não lembra mais. Ele se irrita, paga
a conta e vai embora. Mais uma vez. Deixando-a sozinha na rua. Mais uma vez.
Mas dessa vez, pela última vez.
Ouvi dizer que ela nunca sentiu saudades dele. Ela sente
raiva. Não dele. Mas dela própria. Ela não consegue entender como pôde
permanecer tanto tempo ao lado dessa pessoa acima descrita, que, ao que parece,
dispensa adjetivos. E ela não gosta de sentir raiva. Ela quer que passe. Mas na
verdade ela ainda sente um pouco de raiva dele. Pela postura de vítima em que
ele se colocou no fim. Depois de tudo. Dizem que é difícil de acreditar nessa
personalidade atrás daquela cara de bom menino e da sua voz doce, mas todo
mundo sabe que a verdade sempre vem. Ela tem a consciência tranquila e plena de
toda a fidelidade que exerceu à ele em todos os sentidos durante o tempo que
durou. Mas sente conforto na certeza de nunca ter amado esse homem do fundo do seu
coração.