Me lembro quando era apenas a
casca. Os móveis aos poucos se encaixando. Minha pequenina irmã no moisés, com
seus olhinhos curiosos. Uma dor de barriga, vontade de fazer lolinho, mas como
era tudo novo eu tinha medo da descarga não funcionar. Tijolinho à vista. Um
quarto pros meninos, outro pras meninas. Um erro na instalação da fiação
elétrica fez com que o interruptor do quarto dos meninos acendesse a luz do
quarto das meninas e vice-versa. Uma suíte pros pais. Uma churrasqueira nos
fundos. Quintal, sombreiro. Ao lado um terreno baldio, que anos mais tarde deu
lugar a um sobrado enorme. Na frente uma pousada, que a cada temporada vinham
pessoas diferentes, de todos os lugares. Nós todos crianças. Irmãos, primos,
tios, avó, amigos e casa sempre cheia. Depois do almoço era a vez das crianças
lavar, secar e guardar a louça. Geladinho no congelador pras crianças e cerveja
pros adultos. Jogos de cartas. Verões, carnavais, feriados. Minha irmã no
andador. Que um dia, por descuido, caiu do degrau e bateu o rostinho no chão,
ficando com o dentinho de leite da frente preto, até trocar pelo permanente. A
tv nem sempre ajudava. Enquanto todos ficavam na frente da tv, um de nós ia até
a antena do lado de fora e girava prum lado, girava pro outro. E de dentro da
casa vozes gritavam: “Volta! Aí, aí. Ta bom. Não, não. Pra esquerda!” até que a
imagem voltasse a ficar nítida. Revistas em quadrinhos. Meu
irmão, muito anti-social*, não saía de casa, não pisava na areia. Um dia minha
prima mais velha chega na sala com um lençol molhado dizendo: “quem fez xixi na
cama?” Ninguém se acusa, até que descobre-se o autor.
Eu, na praia, ainda muito
criança, enquanto todos falavam: “tira a parte de cima do biquíni, você ainda
não precisa!” e eu teimava em
usar. Onde já se viu, ficar sem a parte de cima. Mas moleca
que só eu, só me dava conta que a “cortininha” tava quase no pescoço, no meio
do peito, deixando aparecer o peitinho, quando riam de mim. Muitos banhos na
piscina de plástico. Muitos Reveillons com a casa cheia e mesa farta. Bateria
de fogos de artifício. Muitos carnavais no Bier Halley com as primas e a tia,
que fazia questão de nos arrumar. Puxava todo o cabelo num rabo lateral, nos
deixando quase japonesas. Desenhos e purpurina no rosto. Fantasias. Havaiana
era a preferida. Brincadeiras de esconde-esconde, onde, uma certa vez,
brincando de se esconder no carro, minha prima fechou minha mão na porta, me
deixando com dois dedos estourados e, assim, me agradando o resto da temporada
para que eu a perdoasse pelo acidente. Algumas intoxicações alimentares,
algumas insolações, tratadas a maisena. Quedas da rede, que nossas mães cansaram de avisar que não era balanço. Quartos e salas
amontoados de gente pra dormir. Pernilongo. Muito pernilongo.
Medo e gritaria quando aparecia alguma
pererequinha dentro de casa. Passeios no centro a noite pra tomar sorvete e
jogar fliperama. O trenzinho que passeava pela cidade com as crianças e gente
vestida de bicho. Raspadinha de groselha. Brincadeiras na carroceria da Pampa do meu pai, onde eu dei
conta de rasgar três calcinhas na hora de descer, no mesmo dia, porque o
ganchinho da lona agarrava no shortinho. Joelhos ralados por conta dos caixotes
no mar um pouco nervoso, mas de água morna. Alguns quase-afogamentos, evitados por algum adulto. Castelinhos, buracos, vez de
enterrar quem? Caramujos, sirizinhos, conchas e estrelas do mar. Pé com piche.
Patins, skate, bicicleta, bola, frescobol, bet’s, cachorro. Quando chegaram os
namorados era no quarto dos meninos que eles dormiam. E a casa passou a não
ficar tão cheia. No freezer nada de geladinho, só cerveja mesmo. A notícia da
morte da Cássia Eller, na tv, ao vivo. “Mãe, empresta a chave do carro!” As
crianças já tiveram crianças, as idas até lá cada vez mais raras.
Não tenho
nenhuma passagem por lá nos últimos anos, mas guardo com carinho e saudade cada
uma das minhas lembranças. Que são muitas. Na nossa casa de praia. Esse ano vou até lá. É uma promessa!
Ando me sentindo sozinha. Ando me
sentindo nostálgica. Ando sentindo saudades.
Que tempo bom que não volta nunca mais...
* Não gosto da nova norma da língua portuguesa. Prefiro assim.