Eu me lembro vagamente de um dia já ter ido à um Kamikase, num parque de diversão qualquer numa capital do interior. Me lembro de já ter passado o limite de velocidade. Algumas vezes. De entrar no mar a noite. Mas nem tantas vezes. Já pulei, quase sem querer, da plataforma de 5m de salto ornamental da piscina do meu colégio. Na de 10m eu também subi, mas dessa o juízo não me deixou cair. Já trepei sem camisinha. E também já morei no nono andar de um prédio. Mas isso tudo já tem tempo. Bastante tempo. Provavelmente.
Eu culparia os anos 2000 pelo meu medo. Mas a culpa não é da década de hoje, mas sim da década que nasci, pois é ela quem faz com que a década de hoje me assombre. São os anos passando. É a idade chegando. É o medo de saber que eu sou findável. E cada dia que passa, eu acredito mais nessa máxima.
Na virada do século eu atingi a maioridade. No ano do apocalipse eu abraçarei Balzac. Esse é o apocalipse. Meu apocalipse pessoal.
A qualquer momento eu posso entrar pra estatística de pessoas que sairam e nunca mais voltaram. Minha linha finda em algum lugar. E, depois de tanto cagar pra ela, hoje eu não faço mais o louco do tarô, colocando o pezinho pra fora do desfiladeiro. Ando encapando meu fio e não brinco nem de roda-gigante.
É medo de não existir mais. É medo de evaporar feito água em ebulição. É paúra de ir, não voltar e ser esquecida. De deixar uma cadeira vazia na mesa. Um silêncio do outro lado da linha. E uma casa vazia.
Dessa forma eu compreendo porque quanto mais idade mais cedo acorda-se. É o tempo se esvaindo. E a sabedoria entendendo. Que não sobra tempo. Nem pra sonhar. E eu me sentindo uma caixinha de leite longa vida. Que coalha aos poucos. Que de longa vida nada tem. Que desse mundo só levarei saudade. E deixarei saudade também. Em algum lugar. Espero.