domingo, 30 de agosto de 2009

Dilaceração.

Nós éramos um. E você morava não ao lado, não em cima e nem na frente. Mas dentro. Dentro mesmo. Quase esmagando meu baço. E eu procurava não fazer muito impacto pra andar, pra dançar, pra me mover, não queria te machucar. Se às vezes acontecia, não era por mal. E vivíamos felizes assim. Eu, você, pedaço de mim. Pedaço de carne. Pedaço de alma. Você era um pedaço, você era vida, você era tudo e eu cuidava. E eu ria porque você fazia cócegas lá dentro de mim. Mas você era de uma leveza linda. E eu era sua moradia. Um dia, quase sem querer, você PLUFT! saltou pro lado de fora. E num desespero instantâneo me abraçou colando seus dedões dos pés nos meus, seus joelhos nos meus, seu quadril no meu, seu peito no meu, seus braços em volta, sua boca na minha e seus olhos na minha alma. Mas um de nós, não sei exatamente qual, mas um de nós se desequilibrou e eu não tive outra saída a nao ser colocar um dos pés pra trás. Quase como cúmplices o outro pé e os joelhos acompanharam o movimento, muito lentamente, imperceptivelmente, aos poucos. De birra, e única e exclusivamente de birra, você abruptamente descolou seu quadril do meu. Os braços não tinham mais forças e se soltaram. Os lábios quiseram gritar e precisavam de espaço. Só sobraram mesmo os dois peitos, colados, solitários, tentando, desesperadamente, trazer o resto do corpo. Mas alguma força bandida puxava com uma cordinha as costas, descolando, aos poucos, os dois peitos desesperados. Sua mão num movimento suplicante conseguiu segurar a minha, que jazia sem esperança. Nossas mãos se entrelaçaram, se quiseram, se amaram, numa tentativa faminta de não desistência. Seus olhos já não enxergavam minha alma e eu só me dei conta agora. As mãos se despediram depois que meu dedo teimoso enfim se desprendeu do seu. Você virou as costas e foi, deixando um buraco em mim. Levou um pedaço de carne. Pedaço de alma. E eu fiquei aqui adivinhando seu coração escorrendo feito areia de ampulheta.

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