sexta-feira, 18 de junho de 2010

Baseado em Fatos Reais.


Era uma vez uma menina. Não era bonita. Tímida. Ela não sabe explicar exatamente onde tudo começou. Mas sabe que desde que se conhece por gente é assombrada por pesadelos. Alguns reais. Outros não. Noite sim, noite não, ela acordava assustada no meio da noite com as sucessivas discussões dos seus pais. Ela não sabia o que fazer. Porque tinha um raciocínio simples de criança que já era adulta sem saber. Se ela tinha algum problema, se caía e ralava o joelho, por exemplo, ela chamava os pais pra resolver. Mas e quando o problema era com eles, a quem ela chamaria? Ela tinha medo e ficava quietinha até que o silêncio voltasse. Os pesadelos em sonho eram habitados por pessoas que ela nunca vira na vida. Algumas vezes elas apareciam quando ela estava acordada também. Era possível pra ela, descrever o rosto daquelas pessoas, tamanha nitidez com que elas lhe vinham. Essa menina também tinha alguns problemas de saúde, mas especificamente nas perninhas. O que a obrigava a usar botas ortopédicas pra dormir. Seus lençóis estavam sempre rasgados e isso a fazia chorar pelas manhãs. Suas noites eram perturbadas de todas as formas.

Ela tinha uma irmãzinha e um irmãozão. A irmãzinha dormia no mesmo quarto que ela. Certa noite, quando a irmãzinha era apenas um bebê de colo, a menina viu sua mãe sentada na beira da cama da irmãzinha com a mesma no colo, pedindo à Deus que não a levasse e gritando para o pai chamar um médico. O corpinho da irmãzinha cabia direitinho no colo da mãe. E seus olhinhos se retorciam, ardendo na convulsão. Ela quase morreu.

Eles se mudaram de casa. Ganharam um quintal. Bicicletas e patins. E as discussões noturnas continuavam. O irmãozão entrou na adolescência e se viu perdido naquele mundo. Passou a usar roupas rasgadas. Deixou o cabelo crescer e pintou de vermelho. Usava camisa de flanela e parecia um estranho no ninho. Venerava Kurt quando Kurt ainda era vivo. Mal falava com ninguém e não gostava que entrassem no seu quarto. Começou a fumar. A beber. E, parecendo filho de iguais adolescentes, ganhou uma moto. Teve uma queda. Quase perdeu uma vista. Um dedo da mão. Teve outra queda. Ele quase morreu.

A mãe queria fazer de um tudo. Mas achava que não conseguia fazer nada. Ficou mais triste do que uma pessoa pode ser capaz de ficar e acabou doente. Deu alguns sustos nos filhos. Precisou ir pro hospital uma primeira vez. Continuou triste. Teve de voltar ao hospital uma segunda vez. Uma enfermeira desavisada lhe deu uma injeção errada. A mãe entrou em choque. Ela quase morreu.

O pai parecia alheio aquilo tudo. Mas não tinha brilho nos olhos. Construiu seu patrimônio. Mas um dia os homens-maus entraram na sua casa. Renderam ele e a menina, a do meio. Amarraram os dois. Ameaçaram. Assustaram. O homem mais mau dos homens-maus segurou o pai pelos cabelos e engatilhou a arma na cabeça dele. A menina virou a cabeça pra não ver e achou que viria um estampido. Ele quase morreu.

A menina, no meio de toda essa confusão, se apaixonou. Mas não por um menino como ela. E sim, por um homem. Viu a impossibilidade daquele amor. Ficou triste. Chorou um bocado. Não sabia pra onde correr. Não tinha pra onde correr. Um dia ela fez a infeliz combinação de remédios com vodka. Ela quase morreu.

No entanto, estão todos aí. Vivos. Não se pode dizer que foi exatamente uma família feliz. Mas por alguma razão qualquer, que essas coisas dispensam explicações, eles se amam muito. E hoje, todos têm sua vida. Saúde. Cada um tem sua casa. E até uma certa paz. O pior já passou. O melhor ainda não chegou. Mas o arco-íris é longo. E o pote aguarda. E só quem é vivo é capaz de chegar lá. E eles sabem disso.

;)

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