Eu gosto de usar o termo "Arte" na hora de falar sobre certas proezas humanas. Porque trata-se de uma arte. Tem referências, tendências. Assim como escrevi um texto, no início das minhas atividades nesse blog, que eu considero um dos melhores e mais inspirados que já escrevi. Se chama "A Incrível Arte do Não Saber Amar". Pra quem ainda não leu, ou já leu e quer relembrar:
http://blogsarau.blogspot.com/2009/06/incrivel-arte-do-nao-saber-amar.html
A arte do não saber amar está intimamente ligada à arte do viver-se só. Mas nem tanto! Porque amar ninguém ensina, a gente já nasce sabendo. Já nascemos amando mamãe e papai. Também amamos nosso cachorrinho de estimação, nossa professora de alfabetização, nossos bonequinhos que imitam super-heróis, etc... Mas algumas coisas ficam pra trás depois que abandonamos o Paraíso. Mordemos a maçã do conhecimento, perdemos a ingenuidade, saimos do ninho familiar e vamos desbravar o mundo. E o mundo é bem diferente do aconchego do ventre e muito mais cruel do que as brigas com os irmãos pra ver de quem é a vez de jogar video game. E nos sentimos órfãos. Órfãos. E vamos, pelas próprias pernas, traçando caminhos, cruzando nossas histórias, nos apaixonando e experimentando sentimentos nada razoáveis. Porque o que é a dor ninguém ensina. Também já nascemos sabendo. Então aprendemos que o amor e a dor são companheiros. Amar a camisa de um time já tráz embutido o risco de chorar numa derrota na final. Encontrar o suposto amor da sua vida já vem acompanhado da possibilidade da prática não vingar. Então decidimos viver só. É melhor não assistir a derrota da arquibancada. Mas seu time poderia vencer com você na torcida. Pena que não sacamos isso a tempo. Como válvula de escape usamos os exemplos alheios pra justificar nossas causas. "Fulano é casado, mas ele ganha muito dinheiro, ele pode!", ou então corrompemos nossas próprias causas: "Eu não tenho emprego fixo, não posso namorar ninguém!" "Ele não mora na Zona Sul, é muito longe pra manter frequência!" "Não tenho patrimônios, não posso ter filhos!" Sim, o auto-boicote faz parte dessa arte! Atacar pra se defender também é solucionável. Xinga, desdenha, manda o princípio básico da educação pras cucuias, destrói um coração. Se fica triste ao fazer isso? Claro que sim! Mas afasta-se o ser amado. E Bingo! Está sozinho novamente. E de obstáculo-proposital em obstáculo-proposital vamos vivendo sozinhos. Sexta a noite é dia de sair com a galera, tudo certo! A melhor roupa, no melhor estilo. Samba, rock, forró. Cerveja, cachaça, pandeiro. E a gente entra na leva. Entra no ritmo. No fim, vai pra casa sozinho. Ou acompanhado. No dia seguinte estará sozinho. Ou acompanhado. Mas inacessível. É importante manter-se inacessível na arte do viver-se só. Viver cercado de gente, mas sozinho. Numa multidão, sozinho. Por opção. Você vive cada dia com um, cada momento com outro. Manipula o seu ontem pra pessoa de hoje. Esconde seus sonhos pra de ontem. Não confessa seu presente pra de amanhã. E você vive, sem que quem dorme com você saiba como você acorda. Quem almoça com você desconhece suas tardes vazias. E segue. Espalhando migalhas, se alimentando de avos. Amor só o platônico. Daqueles que você mantém só pra você, onde você pode manipulá-lo ali no seu mundo, sem declarar, sem confessar. Daqueles que você olha pro ser amado e idealiza um mundo só de vocês, lá na frente, de mãos dadas numa cadeira de balanço vendo os netinhos correndo pela sala. Mas num momento de lucidez você enxerga sua total incapacidade de abandonar seu escudo. E enquanto você luta contra você mesmo o tempo não espera. O trem saiu da estação. Mas se você correr quem sabe você alcança. Não dá. O mundo secreto do platonismo segura suas pernas. Um passo. Você perde toda a possibilidade de não viver mais só porque deixou de dar um passo. Um só. Vai viver só. A dor já não está ali??? Na solidão??? Está. E ela pode até ser maior do que a dor de tentar, de se entregar, de confessar e não dar certo. Mas, pelo menos, só quem vai saber disso sou eu! Só quem vai sentir sou eu. A arte do viver-se só tem um quê de egoísmo.
Isso é uma auto-biografia. Ou não. Talvez uma mundo-biografia. Mas meu mundo é divertido e delicioso demais pra ficar só pra mim. Quero dividí-lo. Pipocas doces, banhos de mar, bicicleta, música, sexo, Nutella e bobagens. Discussão, apatia e mal-humor. Porque ele é delicioso mas não é perfeito. Dividir com um. Até que 1+1 some 2. Depois 3 e um cachorro. Foda-se o mundo. Se o mundo prefere a solidão eu vou à Marte.