Sol em Botafogo. Bota fogo no incêndio das brasas brancas que brotam na fornalha dos lábios abertos estuporados pelo estopim do marfim dos dentes tantos. Isso porque não vou falar de novo do seu nariz. Não vou entrar no assunto do sabor delicioso do seu hálito. Nem pensar em tratar da loucura que expulsa a brancura do seu par de olhos. Isso porque também não vou falar de você dançando...
Quero-te... quero tantas coisas que estão e são suas, só de você, vão com você, e por isso acontece: se você está longe, elas escapam e faltam.
Se eu fosse um cara sintético, teria resumido tudo isso numa palavra: SAUDADE!
Eu olho pras janelinhas acesas nos prédios. Uma luz que se acende. Outra que se apaga. Uma luz azul piscante de televisão ligada. Uma meia-luz. Fico me perguntando o que estarão aquelas pessoas fazendo. Se a família inteira está reunida na mesa do jantar. Se um casal faz amor. Se uma mãe lê histórias pro filho dormir. Se alguém chora no canto do quarto. Se o pai discute com a mãe. Se alguém assalta a geladeira. Se o cachorro rói os sapatos caros da dona. Se os irmãos brigam pelo controle do vídeo game. Se alguém pegou no sono e a tv ficou ligada. Se algum solitário escreve no seu blog.
Da janela do meu quarto eu vejo dois prédios desafiando a física e subindo de encontro ao céu. E fico imaginando quem serão as pessoas que em breve habitarão aqueles metros quadrados. Se um casal recém-casados com gêmeos na barriga. Se uma mulher e sua mãe idosa. Se um filho adolescente e rebelde com os pais ausentes. Se um senhor cego e seu labrador. Se um fugitivo da polícia Colombiana. Se um velhinho rico e sua linda esposa de 29. Se uma viúva e sua coleção de gatos. Se a mulher da vida dele com o homem da vida dela.
7 bilhões de pessoas no mundo. E ninguém é coadjuvante. Todo mundo é protagonista da própria história.
A - Eu não quero fumar mais um cigarro. Estou de saco cheio
de cigarro. Cigarro fede. Seca. Envelhece. Denigre. Queria antes um pirulito.
Adoçar a boca. Me deixar com cheiro de morango. Encher o pulmão de fumaça pra
quê? Pra ter uma semi-morte no primeiro lance de escadas? A mão, a unha, o
cabelo. Tudo fede. Empapuça. Dor de cabeça. Ressaca de cigarro. Não. Parei.
B - Parou, nada!
A - Parei. Não me conteste.
B - Se você diz...
A - Ah, caguei! Quero abandonar esse vício. Pra que vícios?
Quero me libertar dessa merda que me acompanha nos momentos de depressão. Nas
noitadas sem fim e sem limites. Depois de uma puta trepada. Bebidas. Bebidas e
cigarros e uma grande dor de cabeça no dia seguinte. Esse amontoado de coisas
tóxicas e nocivas. Isso mata!
B - Você ainda vai me pedir um cigarro.
A - Quero virar uma vaca se isso acontecer!
(ela vê seu diário incendiado).
A - Me dá um cigarro?
(B toca o sininho da vaca pra que ela vá buscar o cigarro).
A - Quem foi? Quem foi? Quem foi?
(eles disfarçam)
A - Olha na minha cara. Quem foi?
C - Foi um acidente!!!
A - Acidente????
Acidente seria chamuscar o diário. E não queima-lo inteiro. Folha por
folha. E ninguém viu? Heim? Ninguém se deu conta do fogo?
D - Ué. Você mesma não viu. Só está vendo agora.
A - Eu estava drogada. Vocês me drogaram!
D - Ah. Desapega!
A - Me dá a chave. Me dá a chave!
C - Que chave?
A - Como que chave. A chave do carro! Que chave?
B - O que você vai fazer?
A - Eu vou embora daqui. Se vocês queimaram meu diário são
bem capazes de me jogar daqui de cima a qualquer momento.
D - Não fala besteira!
A - A chave. Eu quero ir embora. Pra mim chega dessa
palhaçada. Se vocês querem se jogar fiquem à vontade. Eu não quero estar aqui
pra ver o último suspiro de vocês. Se é que algum de vocês tem coragem de se
jogar daqui.
C - Tá bom. Foi mal. Não foi um acidente! A gente decidiu, em
comum acordo, dar cabo do seu diário. Mas foi por uma boa causa.
B - É. Não faz o menor sentido isso. Isso te faz bem? Não,
não te faz bem. Olha o estado que esse monte papel te deixa. Palavras.
Palavras. Palavras. Esquece isso. Esquece essas memorias. Vira a página. Tá
ficando chata! Já foi. Já era. Fecha esse ciclo, mulher! Pelo amor de Deus. No
que isso tem te ajudado? Em nada. Você só fica aí lendo e remoendo. Lendo e
remoendo. E vivendo uma época que já passou. Isso aqui é o jornal de ontem. Não
é mais notícia. Não serve pra mais nada a não ser servir de banheiro pra
cachorro. Desapega. Abre espaço pra coisas novas. Ou se joga de uma vez!! Estou
sem paciência pra xiliques. (ele entrega a chave do carro pra ela) Vai. Se
manda daqui. E leva as folhinhas chamuscadas. Quem sabe você ainda consegue ler
alguma coisa.
(ela cava um buraco e enterra as folhas queimadas. Eles
apenas observam).
Pra não dizer que não falei das flores, faço delas o símbolo
do luto dele. Não as Gérberas porque elas têm beleza demais. Não as rosas
porque elas ditam o contrário. Talvez as margaridas brancas porque elas pedem
paz. Não o deixo de trazer no peito porque da falta dele desfaleço. Mas os
olhos míopes por natureza respeitam seu luto. Eles desaprenderam o seu caminho.
Não por falta de vontade. Mas a coragem já passou há muito por muito longe. Ele
antes descompassava por amor. Hoje não bate porque não sabe mais. Cansou da
música alta e das batidas surdas do vazio. Não vive mais. Desistiu de achar outro
que bata no mesmo compasso. Porque sabe que não é pra sempre. E que o pra
sempre sempre acaba. O que não é pra sempre já deixou de ser interessável. Ele já
esgotou as lágrimas por amores não possíveis. E hoje só não chora por não conseguir
nem os passageiros porque secou. Ele não é mais capaz. Achava triste bater
sozinho sem resposta. E agora se entristece simplesmente por não bater. E não bater
não é melhor. Ele pensa: Antes se iludir, mas pelo menos vivo. Vivo ele
continua. Mas não sabe. Só sabe que pede: Socorro. Não bate, não apanha. Vive pra
viver seu luto. Seu mundo fechado pra visitação. E talvez aí ele conheça o pra
sempre. Um pra sempre que nem sempre acaba. Ele usa preto. Nem cinza, nem roxo.
Apenas preto. Viúvo de si mesmo. No silêncio de uma batida. E não adianta
insistir. Ele é teimoso por falta de opção. E excesso de medo. Eu o deixo
calar. Teimosa por falta de medo. E excesso de opção. Nada mais é novidade pra ele. Nem o começo da arritmia. Muito menos o fim. Então ele desistiu de viver pelas poesias. O pulso ainda pulsa. Move
o corpo. E só.
A maior invenção do homem, depois da roda, é o código de
barras. Não é genial? Você se dirige até
o caixa eletrônico mais próximo, aproxima o código de barras da sua conta no
caixa, um feixe de luz vermelha risca o código... e Voilá. Você tem na tela
tudo discriminado, valor da fatura, data de vencimento, órgão credor e até o
seu nome como titular.
Graças à evolução da espécie, hoje o homem anda ereto, só
tem os pelos necessários para a proteção contra os raios solares e tem gente
que até já nasce sem o dente do siso. Mais alguns anos e nossa espécie também será
provida de código de barras. Já imaginou que prático? Nasceremos com um código
de barras logo acima do sacro que, ao longo de nossas vidas, irá acumulando
todas as nossas informações pessoais. Cada um de nós terá também uma maquininha
de leitura que lançará o filete de luz vermelha a fim de ler o código de barras
alheio. Ali constará nome completo, signo, ascendente, estado civil, se ainda
mora com a mãe, manias, defeitos, qualidades, objetivos, gostos, etcétera, etcétera
e etcétera.
Já saberemos de cara com quem estamos lidando. Sem perda de
tempo. Sem verdades que são mentiras. Sem aquela coisa chata de se apaixonar
antes de saber exatamente com quem estamos lidando. Sem decepções. Sem amigos
que não são amigos. Só alegria.
Estou pra me aborrecer com Deus que não teve essa idéia
antes de mim! Darwiiiinnnnn me dá uma luz!!!!