sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Não quero fumar mais um cigarro.


A - Eu não quero fumar mais um cigarro. Estou de saco cheio de cigarro. Cigarro fede. Seca. Envelhece. Denigre. Queria antes um pirulito. Adoçar a boca. Me deixar com cheiro de morango. Encher o pulmão de fumaça pra quê? Pra ter uma semi-morte no primeiro lance de escadas? A mão, a unha, o cabelo. Tudo fede. Empapuça. Dor de cabeça. Ressaca de cigarro. Não. Parei.
B - Parou, nada!
A - Parei. Não me conteste.
B - Se você diz...
A - Ah, caguei! Quero abandonar esse vício. Pra que vícios? Quero me libertar dessa merda que me acompanha nos momentos de depressão. Nas noitadas sem fim e sem limites. Depois de uma puta trepada. Bebidas. Bebidas e cigarros e uma grande dor de cabeça no dia seguinte. Esse amontoado de coisas tóxicas e nocivas. Isso mata!
B - Você ainda vai me pedir um cigarro.
A - Quero virar uma vaca se isso acontecer!
(ela vê seu diário incendiado).
A - Me dá um cigarro?
(B toca o sininho da vaca pra que ela vá buscar o cigarro).
A - Quem foi? Quem foi? Quem foi?
(eles disfarçam)
A - Olha na minha cara. Quem foi?
C - Foi um acidente!!!
A - Acidente????  Acidente seria chamuscar o diário. E não queima-lo inteiro. Folha por folha. E ninguém viu? Heim? Ninguém se deu conta do fogo?
D - Ué. Você mesma não viu. Só está vendo agora.
A - Eu estava drogada. Vocês me drogaram!
D - Ah. Desapega!
A - Me dá a chave. Me dá a chave!
C - Que chave?
A - Como que chave. A chave do carro! Que chave?
B - O que você vai fazer?
A - Eu vou embora daqui. Se vocês queimaram meu diário são bem capazes de me jogar daqui de cima a qualquer momento.
D - Não fala besteira!
A - A chave. Eu quero ir embora. Pra mim chega dessa palhaçada. Se vocês querem se jogar fiquem à vontade. Eu não quero estar aqui pra ver o último suspiro de vocês. Se é que algum de vocês tem coragem de se jogar daqui.
C - Tá bom. Foi mal. Não foi um acidente! A gente decidiu, em comum acordo, dar cabo do seu diário. Mas foi por uma boa causa.
B - É. Não faz o menor sentido isso. Isso te faz bem? Não, não te faz bem. Olha o estado que esse monte papel te deixa. Palavras. Palavras. Palavras. Esquece isso. Esquece essas memorias. Vira a página. Tá ficando chata! Já foi. Já era. Fecha esse ciclo, mulher! Pelo amor de Deus. No que isso tem te ajudado? Em nada. Você só fica aí lendo e remoendo. Lendo e remoendo. E vivendo uma época que já passou. Isso aqui é o jornal de ontem. Não é mais notícia. Não serve pra mais nada a não ser servir de banheiro pra cachorro. Desapega. Abre espaço pra coisas novas. Ou se joga de uma vez!! Estou sem paciência pra xiliques. (ele entrega a chave do carro pra ela) Vai. Se manda daqui. E leva as folhinhas chamuscadas. Quem sabe você ainda consegue ler alguma coisa.
(ela cava um buraco e enterra as folhas queimadas. Eles apenas observam).
A – Alguém tem fogo?
(ela acende um cigarro).


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