sábado, 27 de março de 2010

Roteiro de cinema


Ele, sem camisa, careca e todo tatuado, vem andando a passos bêbados de baixo de chuva. Ele ouve um cântico. Pára. Se vira. As pernas cambaleaim. Ele ouve o chamado. Segue. Chora. Seus joelhos dobram. Ele leva as mãos aos céus. Chora alto, copiosamente, clamando Aleluia. Fios de baba e lágrimas se misturam com a  água da chuva que ainda escorre pelo seu rosto.

CORTA PARA/

Do outro lado da telona ela assiste a cena embasbacada. Num misto de admiração e emoção, ela quase se dá conta do calor que sobe pelo seu corpo ao ver o ator. Ela não entende muito bem aquela sensação. A única certeza que ela tem é que o filme se resume naquela cena. Ao menos pra ela. E que o frio no estômago é real. Uma sensação quase sexual. O ator. Quase isento de beleza. Mas de uma pulsação e uma libido como ela nunca viu igual. Aos poucos lhe vem a estranha constatação da primeira vez em que ela sente desejo por alguém numa tela.

CORTA PARA/

Anos, muitos anos depois, numa noite qualquer, ela põe um salto e vai à uma festa. Anda pra lá, anda pra cá até que para no meio da pista pra dançar. Então eles se notam. Nem ele antes, nem ela antes. Ao mesmo tempo. Os olhares se encontram. No mesmo exato segundo. A primeira coisa que a atinge é o calor. A mesma sensação de anos atrás. Aquele frio no estômago. Um arrepio na nuca. E, logo em seguida, a cena lhe passa na cabeça, como um microfilme. Ela pisca. Ele sorri. Eles dançam a poucos metros de distância. Num breve momento de distração dela, ele desaparece. Ela procura. Desiste. Quando olha novamente lá está ele. No palco. Observando-a. Novo breve momento de distração. Ele desaparece mais uma vez. Ela se estica pra olhar por cima das centenas de cabeças à sua procura. De repente alguém segura seu braço.

Nenhum comentário:

Postar um comentário